Sistema para Salvamento com Cordas - CAVPM

09/11/2022 por Capitão Augusto Nacano Martins Artigos

Matéria publicada na revista O ÁGUIA sobre Sistema para Salvamento com Cordas em que a Spelaion pode contribuir na elaboração do sistema e procedimentospara o Comando de Aviação da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Um dos primeiros registros históricos da utilização de cordas em helicópteros foi durante a guerra do Vietnã com a técnica Mcguire, entre os anos de 1959 e 1975. A técnica criada pelo Sergeant Major Charles T. McGuire visava à infiltração e exfiltração das tropas americanas em combate nos locais em que era impossível o pouso ou a aproximação para embarque e/ou desembarque das tropas a baixa altura. O sistema, ainda que rudimentar, possibilitou que centenas de militares americanos fossem exfiltrados em situação de emergência ou infiltrados em situação de vantagem operacional pela 281ª Companhia de Helicópteros de Assalto.

A humanidade busca, desde os primórdios da utilização de cordas em aeronaves, a evolução dos materiais, equipamentos e técnicas para prover a segurança dos aeronavegantes e das pessoas a serem salvas, transportadas, infiltradas ou exfiltradas.

No Comando de Aviação da Polícia Militar do Estado de São Paulo, até o presente ano, vigora a técnica desenvolvida e implementada desde os anos 90 pelos tripulantes pioneiros da aviação paulista Subten Joseval e Cb PM Pirilo e que utiliza uma “aranha” composta por um robusto elo central e quatro “pernas” confeccionadas em aço, sendo duas com 60 centímetros de comprimento e as outras duas com 40 centímetros, equipamento do qual é desenvolvida a passagem de corda de 12mm aplicada em mosquetões e que passam pelo gancho da aeronave possibilitando realizar as operações de Rapel, McGuire e Cesto.

Essa técnica, adequada aos procedimentos e padrões do então GRPAe – Grupamento de Radiopatrulha Aérea foi alterada e aperfeiçoada ao longo dos anos e contou com a participação de tripulantes dotados de profundo conhecimento dos materiais e equipamentos existentes à época, porém com o passar dos anos e o surgimento de novos e mais tecnológicos materiais e equipamentos tornou-se obsoleto e ultrapassado, principalmente sob o aspecto Segurança de Voo. Importante ressaltar o reconhecimento a todos os profissionais de aviação que participaram do processo de criação e implementação das técnicas de salvamento e a certeza de que fizeram o melhor possível diante das limitações e da realidade apresentada.

 

Com a evolução dos materiais e das técnicas de Salvamento em Altura, diversos conceitos foram alterados e se faz necessária à adequação dos procedimentos do CAVPM aos novos e complexos desafios para o cumprimento da árdua missão de “Voar para Salvar”. Em busca dessa evolução podem ser elencados quatro importantes objetivos sob o aspecto dos materiais utilizados nas missões de salvamento:
• Materiais com certificação internacional
• Sistema de fácil montagem e conferência
• Facilidade e disponibilidade de reposição
• Busca do M.I.S.S.
 
Materiais com certificação internacional
 
A atividade de salvamento aéreo com a utilização de cordas é uma das modalidades de emprego da aeronave com o maior número de riscos envolvidos, sendo assim, é imprescindível que todos os materiais que compõem o sistema de salvamento tenham certificação comprovada quanto a sua capacidade de carga e qualidade do material envolvido em sua confecção. A Certificação Internacional se deve ao elevado grau de exigências e testes realizados nos equipamentos por instituições certificadoras como, por exemplo, CE (Conformité Européenne) de origem européia e a norte americana NFPA (National Fire Protection Association). A “aranha” utilizada até o corrente ano, apesar de cumprir o objetivo, não possui certificações técnicas, pois não é um equipamento de salvamento em altura e não apresenta informações certificadas quanto a sua capacidade, carga de ruptura, material do qual é confeccionada, além de não possuir padronização e ser de difícil e complexa reposição. 
 
Sistema de fácil montagem e conferência
 
Um sistema seguro não deve ser sinônimo de sistema “poluído” ou com excesso de buck-ups e redundâncias. Todos os aeronavegantes envolvidos em uma operação de salvamento devem conhecer e estarem aptos a montar e manusear os materiais que serão utilizados no cumprimento de uma missão dessa natureza. O comandante da aeronave, responsável direto por todas as ações no interior da cabine e na operação de salvamento como um todo, deve ter condições, mesmo não sendo um especialista em Salvamento em Altura, de acompanhar a montagem e realizar a conferência do sistema com tranquilidade e segurança.
 
Facilidade e disponibilidade de reposição
 
Todos os materiais que compõem o sistema de salvamento devem, além de possuir certificação comprovada, ser de fácil aquisição e ter disponibilidade de reposição em virtude de dano ou perda de algum dos componentes. As importantes missões do CAVPM não devem ficar sujeitas a indisponibilidade por falta de um material ou sofrer demasiada paralização de suas atividades aguardando a confecção e sua posterior reposição. A preferência deve ser para os materiais de salvamento disponíveis e com possibilidade de reposição imediata, não interferindo na operação e garantindo o atendimento de futuras ocorrências. 
 
Busca do M.I.S.S.
 
A sigla M.I.S.S. trata-se de um dos lemas do Salvamento em Altura e significa MANTENHA ISSO SIMPLES E SEGURO. Esse lema é entendido como uma condição primordial para que a escolha dos materiais e técnicas a serem utilizados na operação de salvamento com cordas em aeronaves seja o mais simples possível e que atenda plenamente todos os aspectos da segurança de voo. Vale ressaltar que com o advento da tecnologia aplicada aos diversos tipos de materiais de salvamento em altura existentes na atualidade, o peso e as dimensões dos materiais deixou de ser sinônimo de capacidade de carga, sendo encontrados diversos materiais leves e de pequenas dimensões com cargas de ruptura extremamente elevadas. 
 
Para alcançar esses objetivos, no ano de 2020, formou-se a Primeira Comissão de Materiais de Salvamento em Altura do CAVPM para discutir sobre as possíveis alterações e opções, dentre os materiais disponíveis no mercado, que atendessem plenamente os objetivos e anseios da Unidade sob os aspectos do cumprimento das diversas missões e da Segurança de Voo. Após período de Brainstorming, várias opções foram elencadas e consideradas, chegando-se a alguns materiais já utilizados amplamente por Corpos de Bombeiros e Grupamentos Aéreos do país, porém com as devidas adequações ao Comando de Aviação da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A Comissão realizou testes e criou o sistema apelidado de M.I.S.S. referência ao consagrado lema do Salvamento em Altura com a aquisição e implementação dos seguintes materiais:
 
PLACA DE ANCORAGEM
A placa de ancoragem grande, em duralumínio, é um equipamento desenvolvido especificamente para a finalidade de organização e distribuição das cargas dentro de um sistema de salvamento. Certificada e extremamente leve, com carga de ruptura prevista em 36 kN (3.600 kg). Este equipamento substitui o elo central da “aranha” e atende os objetivos ao conter a certificação internacional CE, ser de fácil e rápida reposição e possibilita que o sistema permaneça “limpo” e seguro.
 
FITA ANEL DYNEEMA
A fita dyneema possui capacidade mecânica para 22 kN (2.200 kg) e é uma evolução da consagrada fita tubular confeccionada em poliéster. Sua tecnologia dyneema é tida como a fibra mais forte do mundo sendo até 15 vezes mais resistente do que o aço (em base peso por peso) e até 40% mais resistente do que a aramida ou poliamida (em base peso por peso). As fitas possuem certificação internacional CE e NFPA e são leves e excepcionalmente duráveis, graças à construção de polietileno de alto módulo. Além de sua incrível capacidade quanto à resistência mecânica, essa tecnologia apresenta uma resistência a abrasão nunca antes atingida por nenhuma outra fibra têxtil utilizada em Salvamento em Altura. Esse equipamento foi adquirido com o objetivo de substituir as “pernas” da “aranha” e também atendem todos os objetivos da Comissão de Salvamento do CAVPM.
 
CORDA DE 11mm
Corda semiestática, confeccionada em poliamida com capa em poliéster, trançada, de 11mm de diâmetro. Padrão de construção “Kernmantle” (alma + capa) e tecnologia Everflex, que garante flexibilidade ao longo do tempo, sob quaisquer condições (água, poeira, lama, etc...), e lhe permite manter um excelente manuseio e ótimo funcionamento com os dispositivos utilizados. No quesito corda foi deliberado e optado pela Comissão de Salvamento a mudança da corda de 12mm para a de 11mm tendo em vista que a capacidade mecânica de 30 kN (3.000 kg) dessa corda atende os anseios da Unidade, além de ser mais leve, menor custo e possuir maior facilidade de manuseio. Outra evolução bastante significativa é a validade especificada para esse equipamento pela CE EN 1891 tipo A, EAC, e NFPA 1983 ser de 10 anos.
 
DESCENSOR ID S
O ID é um descensor autoblocante, onde a descida é controlada por uma alavanca (manípulo) que permite que a corda seja liberada, possuindo a função anti-pânico, que interrompe a descida automaticamente em caso do usuário puxar a alavanca muito forte ou ocorra à soltura das mãos. Este equipamento difere do atual descensor tipo freio oito na questão de segurança por não necessitar de um segurança no solo para servir como back-up do tripulante SAR.
 
Todos esses materiais foram testados em solo e em voo e a disposição dos equipamentos foi amplamente testada nas inúmeras possibilidades de encordamento respeitando a capacidade do atual sistema que se traduz no ponto de menor capacidade de carga que é o elo ou ponto de fixação no piso da cabine com tração lateral. 

 

Cabe uma importante ressalva quanto a essa informação contida no PMV da aeronave HMNT, pois a informação trazida pelo fabricante é quanto à carga de trabalho determinada pelo fabricante, diferente dos materiais de Salvamento em Altura que trazem a informação da carga de ruptura. Sendo assim, apesar de a informação de que a carga de trabalho indicada pelo fabricante no sentido lateral seja de 160 Kg, estima-se que a carga de ruptura dos elos de fixação no piso da cabine da aeronave com tração lateral seja superior a 10 KN ou aproximadamente 1.000 Kg, baseado em teste de tração realizado em solo com equipamento dinamômetro, e apesar de extremamente elevada para as atividades desenvolvidas no Comando de Aviação, ainda assim em comparação com os demais materiais envolvidos na operação e em fase de implementação, permanece como o ponto de menor capacidade mecânica. 

18.1 CARGAS PERMITIDAS EM PONTOS DE FIXAÇÃO NO PISO DA CABINE
- Longitudinal      280 daN     =      2,8KN     =       280Kg
- Lateral              160 daN     =      1,6KN     =       160Kg
- Vertical             530 daN     =       5,3KN    =        530Kg
- Resultante        620 daN     =       6,2KN    =        620Kg
 
18.2 CARGAS PERMITIDAS NOS ANTEPAROS DOS PONTOS DE FIXAÇÃO
- Longitudinal      630 daN     =      6,3KN     =       630Kg
- Lateral              300 daN     =      3,0KN     =       300Kg
- Vertical             1100 daN     =    11,0KN    =      1100Kg
- Resultante        1300 daN     =   13,0KN    =       1300Kg
 

Vale ressaltar também que o improvável rompimento de algum desses pontos não significaria a queda do sistema ou de um homem SAR, tendo em vista que todos os pontos estão interligados e se somam ao encordamento dividindo a tensão e seria necessário que os quatro pontos do piso da cabine se rompessem ao mesmo tempo para uma eventual queda. A tensão no sistema durante uma descida com dois homens SAR se equivale e os pontos de fixação que estarão ligados à placa de ancoragem pelas fitas anel Dynnema sofrem uma tensão mínima, pois sua principal função nesse momento será a de manter a placa de ancoragem centralizada. No caso de descida de apenas um homem SAR o sistema exigirá que os dois pontos de fixação contrários ao lado da descida sejam acionados, somando-se suas forças e suas capacidades de carga, sendo possível uma margem de até 320 Kg de carga de trabalho.

Em cumprimento aos objetivos traçados pela Comissão de Salvamento e em adequação aos materiais adquiridos pelo Comando de Aviação o sistema M.I.S.S. está alinhado com os preceitos da Segurança de Voo e os anseios dos aeronavegantes da Unidade.

O sistema que está em fase de implantação é bastante simples e seguro e tem a característica de ser muito fácil de ser montado e conferido por todos os envolvidos na operação de salvamento. O sistema é iniciado com a montagem da placa de ancoragem unida aos elos de fixação da aeronave com as fitas anel dyneema de 60 centímetros, sendo a conexão das fitas nos elos através de malhas rápidas de 8mm e das fitas na placa através do nó boca de lobo. A escolha do nó boca de lobo foi para realizar o ajuste fino de distância entre os componentes, deixando o sistema limpo e eliminando quatro mosquetões da operação. O nó boca de lobo reduz de 22 kN (2.200 kg) para 16 kN (1.600 kg) a capacidade mecânica da fita anel dyneema, porém, ainda assim sua capacidade está muito acima do ponto de maior fragilidade do sistema que é o ponto de fixação no piso da aeronave estimado em 10 kN (1.000 kg).

Após a fixação da placa de ancoragem, o permeio da corda de 11mm com comprimento de 100 metros é trazida para dentro da cabine e ligada a um mosquetão central na placa de ancoragem por meio de um nó UIAA. Esse permeio permite que a corda permaneça centralizada na cabine e em caso de alijamento involuntário do sistema servirá como back-up do gancho da aeronave.

Em seguida as cordas são conectadas através do nó direcional romano a um mosquetão que estará conectado ao elo primário que por sua vez estará conectado ao gancho da aeronave e retornam para o interior da cabine sendo então as cordas ligadas à placa com um mosquetão através do nó sambô, nó de fácil soltura, tendo em vista que o cordim e o prússico foram abolidos da operação. Para finalizar, é colocado o protetor de corda para o contato com a quina do assoalho e a corda é acondicionada abaixo do banco traseiro da aeronave.

A operação de Salvamento a ser desenvolvida pode ser iniciada pela atividade de rapel com o lançamento das cordas pelo tripulante lançador que coordenará a infiltração dos homens SAR que estarão munidos do equipamento descensor autoblocante ID S adequado para a corda de 11mm. Após a descida dos homens SAR, caso necessário, o sistema migra facilmente para as operações de McGuire ou Cesto, bastando apenas que o tripulante lançador desfaça os nós sambô, retire os protetores de corda e passe as cordas por dentro dos esquis. A partir desse momento o gancho da aeronave é acionado e o peso recai sobre ele, porém em caso de alijamento involuntário o permeio da corda no interior da cabine funcionará como back-up e na necessidade de alijamento voluntário, primeiramente alija-se o gancho e em seguida corta-se a corda que estará passando no interior da cabine em qualquer ponto. 

Celebrando os primeiros tripulantes e pilotos do Comando de Aviação e reconhecendo seus valorosos esforços que sabiamente fizeram o melhor que era possível em sua época e que mesmo com inúmeras limitações possibilitaram que centenas de pessoas fossem salvas nos 38 anos de existência da Unidade sem nenhum acidente ou incidente de natureza grave no cumprimento da missão de Salvamento Terrestre, ficam os préstimos e homenagens de todos os envolvidos na elaboração do Sistema M.I.S.S. que nada mais é do que a tradução e evolução de todo o legado criado e transmitido ao longo do tempo.

A revista com a matéria também pode ser acessada através do link aqui





Sobre o autor: Capitão Augusto Nacano Martins


Capitão Augusto Nacano Martins